sábado, 16 de maio de 2015

PAUL ROMER AO ATAQUE!




(Um pouco técnico)

A reunião anual da American Economic Association representa, mesmo que nós Europeus tenhamos dificuldade em admiti-lo, o evento chave para compreender a evolução da economia como projeto de ciência. E a publicação em maio de cada ano dos Papers & Proceedings na American Economic Review, onde todos querem publicar, representa por sua vez o momento crucial para conhecer e analisar em profundidade as versões em papel ou digitais do que lá se apresentou e discutiu.

Em dois posts anteriores dei conta neste blogue do aparente ressurgimento de um economista que admiro em primeira linha, Paul Romer, agora profissionalmente na New York Stern University e intelectualmente focado no tema da urbanização e no projeto das Charter Cities. Fiz aqui eco de uma importante entrevista de Romer a um jornal de Hong-Kong, cujo relevo advinha de pela primeira há já algum tempo Romer dar conta da estagnação em que se encontrava a teoria do crescimento, sobretudo a partir do momento (1990) em que Romer publicou o seu último modelo do progresso técnico endógeno (“Endogenous Technical Change”, no Journal of Political Economy, volume 98, nº 5), apresentando razões convincentes para essa estagnação.

Ora, no Papers & Proceedings da American Economic Review de maio em curso, Paul Romer publica um curtíssimo mas importante artigo, “Mathiness in the Theory of Economic Growth”, no qual recupera de forma mais aprofundada e conceptualmente mais evoluída a sua explicação para a estagnação do crescimento económico, mas fazendo-o de modo mais agressivo e contundente e atirando-se com destemor aos que ele considera ser os principais responsáveis por tal estagnação.

O termo “mathiness” é difícil traduzir para Português, mas vamos optar por termos como “matematicidade” para ultrapassar essa dificuldade.

A argumentação de Paul Romer é um excelente documento pedagógico para introduzirmos os problemas metodológicos em economia e discutir a cientificidade da disciplina, nunca esquecendo que Romer alinha entre os que não hesitam em projetar a economia para os braços da ciência, mesmo que na sua perspetiva nem tudo o que se produz em economia possa aspirar a essa projeção. Romer parte da sua distinção entre política e ciência: a primeira não conduz nunca a consensos alargados e estimula os que nela participam a exacerbar o não consenso entre fações; a segunda, pelo contrário, gera consensos sobretudo com base nas relações apertadas entre o uso de palavras provenientes da linguagem natural e de símbolos da linguagem formal da matemática. Tenhamos por isso em vista que Romer considera como muitos outros que a economia só pode aspirar a projetar-se na ciência através do rigor analítico da matemática, mas em que o rigor da utilização da linguagem formal da matemática não deve perder de vista a sua conexão com as grandezas empíricas da realidade. Assim, segundo Romer haverá utilização rigorosa da matemática, também podendo existir utilização dessa linguagem com menosprezo da relação rigorosa com as categorias empíricas da realidade. É a esta deriva da utilização da matemática que Romer designa de “Mathiness” e quando isso acontece a ciência económica entra na indeterminação da política.

Sugestivo sem dúvida, mas mais sugestivo e inspirador ainda, quando Romer aplica essa argumentação ao tema desenvolvido na entrevista ao jornal de Hong-Kong agora com as roupagens de um artigo científico.

A ideia central do pensamento de Romer, recordemo-la as vezes que for necessário, consiste no entendimento das ideias como um bem não rival, algo que permite assim a sua utilização em simultâneo num volume infinito e apenas dependente da capacidade tecnológica de produzir o artefacto que materializa o imaterial da ideia geradora de valor económico. Ora, ao reconhecermos a não rivalidade, não podemos ignorar os efeitos de escala que isso potencia. Há uns anos atrás os telemóveis não existiam, porque não existia a ideia que os tornou possíveis. Hoje, a escala de produção desse bem é praticamente infinita. Mas ao reconhecerem a existência dos efeitos de escala, isto é a capacidade de reduzir infinitamente o custo unitário da ideia que viabilizou o aparecimento dos telemóveis, alguns economistas, com Romer à cabeça mas não sozinho, compreenderam que para atingir a modelização científica a que aspiravam tinham de pensar em termos de concorrência monopolista e não em termos de concorrência perfeita. Pensando em concorrência monopolista e admitindo que a ideia produzida seria parcialmente excluível por outros, esses economistas compreenderam que resolviam um problema fundamental, como remunerar o autor da ideia. E esta questão é crucial: como é que seria possível na vida prática estimular as pessoas a inovarem e a serem criativas produzindo novas ideias se não fossem remuneradas por isso? Total impossibilidade. Remunerar o autor da ideia não significa que essa ideia não possa ser depois disseminada e servir a sociedade. Mas essa disseminação é feita sob a forma de um novo produto ou de um novo processo e será a partir da sua materialização económica que os concorrentes poderão replicá-la, melhorando-a, também remunerados por isso. E ser remunerado é ser price-maker e não price taker, entendamo-nos.


Ora o que Romer designa depreciativamente (eu chamava-lhe piores coisas) de tradicionalistas sempre forçaram o seu poder de influência no mainstream das universidades para modelizar as ideias e a sua geração de valor em ambientes de concorrência perfeita, isto é, com produtores económicos price-takers. E fazem-no com o recurso à linguagem matemática, aspirando por isso à pretensa cientificidade. Mas ao fazê-lo geram um mundo afastado do mundo real, não remunerando os autores das ideias, condenando-os a uma espécie de valor social. O uso nesta questão da “mathiness” é pernicioso, porque colocou a teoria do crescimento económico nos braços da “política académica”, na qual não há consenso possível e por isso não há progresso da ciência. Daí a estagnação da ciência.

O argumento de Romer é apaixonante sobretudo porque nos coloca diante da evidência de que ainda hoje uma grande parte da formação académica de base é realizada como se os estudantes de economia fossem trabalhar num mundo em que os autores das ideias não são remunerados. Pura esquizofrenia e apenas o resultado de uma relação de poder. Aliás, para não ir mais longe, grande parte dessa formação económica de base é realizada num mundo de pressupostos em que na função de produção que representa a tecnologia não há lugar para o empresário. O empresário está ausente do mainstream neoclássico. E, ironia das ironias, esses jovens economistas que estudam em modelos em que o empresário não existe, e está transformado numa máquina de calcular de otimização, são os mesmos que pagarão rios e balúrdios de dinheiro para frequentar MBA em que afinal alguém lhes diz que o empresário existe e que alguém se esqueceu de o colocar nas funções de produção em que estudaram.

Loucura, exagero, politiquice? Não, a mais pura verdade e compreendo bem o ataque de Romer na American Economic Association. Em apêndice matemático de grande rigor, ou não seja Romer um engenheiro de origem que se formou em Economia, ele demonstra que os efeitos de escala e a concorrência monopolista podem ser modelizados.

Assunto vital para qualquer professor de mente aberta que esteja a formar estudantes em Economia.


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