sexta-feira, 31 de julho de 2015

A PRAGA CONSERVADORA




(Arrogante e não fleumático, simplesmente deplorável)

Não conheço o túnel da Mancha, nunca o atravessei, mas sou capaz de antecipar o ambiente de inferno e desespero que leva os clandestinos retidos em Calais a tentar o suicídio de uma travessia para Inglaterra através de um fluxo de tráfego pesado que se prolonga hoje por uma fila interminável.

Pois perante uma tragédia desta natureza, o primeiro-ministro conservador Cameron só conseguiu falar de uma praga que vem do Mediterrâneo e consolar os seus súbditos, alguns dos quais com férias tolhidas pelas filas intermináveis, com a promessa de construção de um muro ainda maior e de mais cães que demovam por dissuasão qualquer tentativa de passagem clandestina.

Para um membro da União Europeia a deplorável arrogância de Cameron mostra bem o estado da União e sobretudo constitui evidência clara de que os promotores da globalização não são capazes de gerir os efeitos da mesma sobre as expectativas de quem vive (um eufemismo) na pobreza extrema, na guerra militar e étnica, na mais profunda privação humana. Como tenho sublinhado, a globalização dos movimentos de pessoas está substancialmente mais atrasada do que a globalização dos movimentos de mercadorias e de capitais, pelo que uma de duas: ou se contraria o movimento na origem, melhorando as condições de vida dessas populações ou, a manter a perspetiva dos muros, estaremos perante a forma mais avançada e moderna da barbárie.

Estou pessoalmente convencido que só quando os Europeus começarem a ver o seu horizonte quotidiano tolhido pelo impacto as migrações (por exemplo as suas férias) ficarão sensibilizados para contribuírem para uma solução global minimizadora da barbárie que se anuncia. Porque a vontade britânica de valorizar na União Europeia a sua capital financeira e a ideia de mercado único é simplesmente uma face da moeda. Terão que ser parte da solução que a União Europeia deve promover, até porque se compararmos a incidência desse problema numa Grécia ou numa Itália com a massa de migrantes que perturbou a circulação do túnel da Mancha compreendemos melhor a arrogância nojenta do líder conservador. Mais um sinal da dissolução europeia.

O QUE UM BRUEGHEL PODE REPRESENTAR …




(Os efeitos do valor mercantil da arte…)

A arte é cada vez mais uma fonte de reserva de valor, embora se trate de aplicação arriscada, reservada a conhecedores ou pelo menos a quem se sinta confiante nos pareceres e conselhos que recolhe.

Mas ninguém ousaria dizer que estaria ligada a uma espécie de fim de festa ou fim de feira do cavaquismo económico, à medida que diferentes personalidades desse universo vão caindo, uma a uma, numa destruição anunciada, em qualquer processo económico em que a euforia se substitui ao racional económico, sobretudo quando essa euforia é alimentada pelo crédito.

A venda do Cortejo Nupcial de Brueghel a uma galeria de Genebra prolonga o que a grande controvérsia da coleção Miró “armazenada” pelo BPN de Oliveira Costa já tinha antecipado. Ninguém diria que um Brueghel iria estar ligado como símbolo à queda de uma das personalidades mais badaladas do cavaquismo económico, neste caso, preparada a partir de Bragança, Duarte Lima.

O capital-arte circulou pelo país numa ilusão de grandeza e de poderio, mas à euforia sobrepõe-se a depressiva queda e circulará por esse mundo fora à procura de uma nova euforia.

HEI, HEI

(Nicholas Lund, in “The Social Guidebook of Norway – An Illustrated Introduction”)

Terão reparado os leitores mais atentos deste espaço que os meus últimos posts têm primado pela contenção em palavras e em profundidade analítica. Há uma fundada razão para isso e ela tem sobretudo a ver com a escassa disponibilidade mental e de tempo sobrante para blogar a partir destes “caminhos do Norte” (Norweg) que ando a percorrer e descobrir no meio de grande deslumbramento. Depois de uns dias em Oslo (ex-Christiania) guiado por quem sabe receber e dar a conhecer, anteontem estive em Tromsø e iniciei a navegação marítima de descida da costa ocidental, ontem visitei as belíssimas Ilhas Lofoten e hoje já atravessei o Círculo Polar Ártico e prossigo em direção a Trondheim, Molde e Bergen e aos fiordes mais famosos. Enquanto os encantos da Natureza se sucedem a cada instante, dou por mim em plena deformação profissional equacionando a sustentabilidade deste atrativo modelo perfeito de sociedade e os insondáveis desígnios divinos que presentearam estes estranhos nordmenn (Norge født = born in Norwaycom as condições de prosperidade e confiança que visivelmente ostentam. Voltarei ao assunto em agosto.

quinta-feira, 30 de julho de 2015

A TAXA DE DESEMPREGO



(Coincidências ou talvez não…)

Talvez seja coincidência, ou não, quem sabe. Depois de um relatório do FMI ter abalado a cantilena da maioria com o sublinhar da dimensão estrutural (conviria discutir esta questão do estrutural) do desemprego em Portugal, que determina que a sua recuperação vá ser provavelmente muito lenta, a estimativa de junho do INE da taxa de desemprego (calculada em relação aos indivíduos entre os 15 e os 74 anos) vem repor as condições para o discurso de recuperação da maioria. A taxa corrigida pela sazonalidade aponta agora para 12,4%, corrigindo assim as estimativas elaboradas em maio, representa uma revisão positiva da população empregada de 50,7 indivíduos e um recuo da população desempregada de menos 41,7 indivíduos. A estimativa de junho, corrigida da sazonalidade, representa mesmo assim um ligeiro agravamento da população desempregada de 1.300 indivíduos em relação a maio anterior e de um emprego também ligeiramente inferior em cerca de 2.000 indivíduos.

Certamente que esta publicação em pleno cenário de encerramento para férias da luta política vai despertar a usual conflitualidade e a suspeição de manipulação de informação estatística. Não tenho razões para suspeitar de tanta descida de nível institucional por parte do INE, e acredito plenamente que o INE se limita a aplicar as regras impostas pelo EUROSTAT para permitir a harmonização e a comparação de dados no contexto da UE. A luta política que pode ser travada em função destes dados deve em meu entender explorar toda a informação que o inquérito ao emprego proporciona e contextualizar os dados relativamente ao possível artificialismo da redução da taxa de desemprego, tendo em conta a enorme relevância do efeito que as políticas ativas de emprego (estágios, sobretudo) podem determinar nos números do emprego, nunca perdendo de vista que se o fizermos teríamos de realizar a mesma operação para eventuais comparações europeias. Acredito que essa via de discussão dos números é bem mais segura do que recorrer ao desemprego registado nos centros de emprego do IEFP, pois aí a possibilidade de manipulação soft dos dados é mais elevada, atendendo a que nesse campo não há o normativo Eurostat a influenciar a administração da informação.

É por isso necessário discutir com rigor a sustentabilidade desta melhoria da taxa de desemprego e sobretudo discuti-la do ponto de vista da precariedade do emprego. Algum impacto na taxa de desemprego a moderada recuperação económica terá de produzir. O que é relevante discutir é a medida em que as políticas ativas de emprego influenciam artificialmente a criação de emprego, embora a maioria possa invocar a mais elevada taxa de empregabilidade que os estágios apresentam em relação a outras políticas ativas. Não me parece que entrar pelo domínio da suspeição da manipulação estatística seja uma via fecunda e ela terá sempre um efeito de arremesso para outros governos. Rejeitar a ideia de manipulação estatística não significa que não se possa criticar violentamente a manipulação política realizada a partir dessa informação. A suspeição estatística não serve a ninguém.

MUITO BOA!


Eu, pelo menos, achei imensa graça a esta sátira em torno de uma matéria tão in como a da obediência ao cumprimento das regras acima de tudo. Com dedicatória ao Cavaco e ao Passos..