terça-feira, 18 de outubro de 2016

A NAVEGAÇÃO ERRÁTICA DA OPOSIÇÃO PSD




(A navegação errática e à vista da oposição PSD continua entregue à sua sorte, com aqui e ali laivos de um grande despudor, matéria que os portugueses costumam designar de grande lata, mas sobretudo de alguma impreparação em consolidar um discurso consistente)

Bem pode o esforçado Presidente Marcelo clamar por uma oposição mais estruturada da parte da sua família política que se arrisca a bater num muro do qual não ecoa rigorosamente nada. E compreende-se que seja assim. Passos Coelho e a sua azougada partenaire Maria Luís Albuquerque não tinham mais nada a oferecer do que o regresso ao receituário utilizado no período de resgate, aproveitando a boleia que lhes caiu do céu, alavancando uma coisa que dificilmente teriam passado por simples escrutínio democrático. Por agora, resta-lhes o exercício de pura lata política, esgrimindo argumentos de primas donas ofendidas, quando muito incompreendidas pelo eleitorado.

Tem sido navegação à vista que baste e o palco do orçamento 2017 é o espaço ideal para a continuidade desse espetáculo. Em bom rigor, essa navegação à vista utiliza por vezes brechas que a maioria de esquerda lhe oferece por falta de preparação de medidas e pela insistência na experimentação mediática das medidas propostas.

A primeira frente que o PSD cavalgou foi a das promessas do crescimento económico que o cenário macro de suporte ao orçamento de 2017 se encarregou finalmente de ajustar à dura força da realidade. Talvez tivesse sido melhor manter esse rumo de navegação. A equipa de Centeno revelou-se entretanto bem preparada para responder a esta frente (veja-se a entrevista ao Jornal de Negócios). Invocando a evolução do indicador de confiança, o comportamento do emprego e a influência que a aceleração da execução de Fundos Estruturais dirigidos às empresas pode exercer na Formação Bruta de Capital Fixo privada, o governo, se bem que não tenha conseguido tapar toda a brecha, reconstituiu trincheiras e obriga o fogo adversário a ser mais calculado e eficaz. Conviria, entretanto, o governo explicar à populaça o comportamento do emprego em contexto de crescimento moderado (visto pelos registos de contribuições para a segurança social) e de aumento recente da população ativa, pois isso não é apenas matéria da economia portuguesa.

A segunda frente que o PSD tem explorado é a da sua apresentação como intérprete das recriminações do setor privado quanto à pretensa influência penalizadora da proposta de Orçamento. Também aqui pedir-se-ia à oposição PSD mais consistência e persistência na mensagem, que teria de se concentrar na questão dos incentivos ao investimento privado. Sem essa consistência, arriscou-se, por exemplo, a que o presidente dos patrões, António Saraiva da CIP, aparecesse em concertação social bastante mais condescendente quanto às propostas do governo do que no orçamento de 2016, desarmando em parte o discurso do principal partido da oposição. A matéria que me parece mais interessante que sai desta apresentação do orçamento 2017 à concertação social é a denúncia que a CCP (Comércio e Serviços) faz de se sentir discriminada com o imposto adicional sobre o imobiliário. O modo como Centeno e Rocha Andrade apresentaram a questão é bastante confusa relativamente aos setores que ficam de fora, o governo fala de isentar a atividade produtiva, não se percebendo se houve opção pelos transacionáveis e com isso deixar parte do comércio de fora. O governo deveria conhecer a já reiterada posição da CCP de considerar que a crescente importância dos serviços transacionáveis deveria conduzir a uma menor discriminação do comércio e serviços no seu acesso a Fundos Estruturais. A confusão que se gerou em torno do imposto sobre o imobiliário anteciparia naturalmente o regresso da CCP ao tema, ameaçando até comprometer a concertação social em torno da revisão do salário mínimo.

Finalmente, a terceira frente da navegação errática é mais recente e prende-se com as pensões. Como é sabido, o governo assumiu que corrigiria valores de pensões apenas para as pensões que não tivessem sido objeto de atualização por parte do governo anterior. Esta posição conduziu objetivamente a que as pensões mais baixas, designadamente as não contributivas, não apareçam no orçamento de 2017 com atualização possível. Passos e Maria Luís viram nesta brecha governamental a oportunidade de se arvorarem em defensores intransigentes dos mais desafortunados pensionistas. E não desperdiçaram a oportunidade de invocar a pretensa falta de sensibilidade social da atual maioria, trazendo para a discussão a eliminação da contribuição extraordinária de solidariedade para as pensões mais altas. Condimento apetitoso para uma dose PSD de reposição de rendimentos. Mas a confusão é muita num sistema de pensões que começa a ser caótico de tantas situações existentes. A secretária de Estado da Segurança Social veio entretanto a terreiro dizer que afinal havia outras. O governo anterior ter-se-ia esquecido de atualizar cerca de 250.000 pensionistas (não me perguntem que pensionistas em concreto) e por isso o critério do atual governo não determinaria que as pensões abaixo de 275 euros não fossem atualizadas. Sê-lo-ão para as que terão sido esquecidas pelo governo anterior e pelos números da secretária de Estado não serão poucas. Navegação à vista da oposição PSD que combinada com brechas involuntárias ou não da atual maioria provoca ruído que baste.

Mas em meu modesto entender a questão mais relevante não é esta. Há dias, ainda antes da apresentação do orçamento, António Costa veio a público levantar a questão de que por vezes pensões baixas não significam baixos rendimentos. Afinal, o primeiro-Ministro queria chamar a atenção para os trabalhos em curso por parte do governo de constituir um sistema de informação de pensionistas e não apenas de pensões. No meio destes sinais que vão caindo, há uma outra palavra para a qual temos de estar futuramente atentos e essa palavra é “means-tested”, mais especificamente “sujeito à condição de recursos”. O que é que isto quer dizer? O tema é evidentemente o futuro das pensões não contributivas, isto é, de pensões às quais não corresponde uma carreira contributiva, por mais errática, pontual ou pequena que ela possa ser. Por essa Europa (e não só) fora, em que a consolidação orçamental e os apertos de orçamentos públicos estejam ativos, gerou-se uma tendência para as pensões não contributivas (extensivas a outras formas de transferências sociais) estarem sujeitas à verificação da condição de recursos. A ideia é considerar que tais prestações não se justificam quando os rendimentos do beneficiário apontam para condições de rendimento que não justificam esse apoio. A prática começou essencialmente no Reino Unido de Cameron e Osborne (o que nos deve por de aviso), mas nem os países escandinavos como a Suécia escaparam a essa tendência. Não tenho qualquer preconceito formado sobre esta matéria e ela dá uma boa discussão à esquerda, que antecipo com alguma energia entre a atual maioria parlamentar. Mas sei que o “means-tested” pode ser aplicado de muitas maneiras e a questão dos limiares a partir dos quais a demonstração de recursos é exigida é crucial. Também as condições em que a demonstração de recursos é exigida tem que se lhe diga. Mais tarde ou mais cedo, o debate vai chegar. Só espero que com menos navegação errática e menos brechas não totalmente explicadas.

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