sábado, 8 de outubro de 2016

CRESCIMENTO ECONÓMICO E BEM-ESTAR




(Embora fortemente questionados, o PIB e a sua taxa de variação continuam a dominar a medida do bem-estar material, o que não significa que não devamos estar atentos às imperfeições da medida)

Há por todo o mundo uma massa de carpideiras que lamentam a anemia do crescimento económico que vai caracterizando as economias mais avançadas, com efeitos posteriores nas menos desenvolvidas. Pressupondo que tais lamúrias não significam desejar o crescimento pelo crescimento, imagina-se que o fundamento de tais lamentos reside na suposição de que mais crescimento económico significará melhoria de condições de vida material e de rendimento de cada um. É conhecida a associação que, desde os primórdios da economia do desenvolvimento, existe entre PIB per capita e bem-estar material, alargada à sua versão dinâmica de variação do PIB per capita sugerir variação de igual sinal do bem-estar material. Como a taxa de variação do PIB per capita é aproximadamente igual à diferença entre a taxa de variação do PIB e a da população, em tempos de estagnação demográfica, o crescimento económico repercutir-se-ia praticamente na variação do bem-estar.

Ora, por coincidência ou não, a OCDE nos seus Insights que dão conta de investigação realizada no seio da instituição através dos seus diferentes programas, apresentou recentemente (ver link aqui) análises interessantes sobre a relação entre o comportamento do PIB capita (uma medida do crescimento e da sua abrangência por indivíduo) e do rendimento disponível dos indivíduos. Compreende-se a preocupação. Para a generalidade do cidadão individual, o PIB per capita é uma abstração. Já o seu rendimento disponível é algo de concreto. A OCDE analisa assim a não associação perfeita que existe entre as duas variáveis. E um bom exemplo dessa não associação é a Irlanda. Ainda há relativamente pouco tempo, chamei a atenção neste blogue para o alarido que andava por aí quanto às taxas de crescimento económico a dois dígitos que deveriam ser apresentadas como a recuperação de programas de ajustamento tipo Troika é possível e viável. Chamei então a atenção para a ilusão estatística de grande parte do crescimento irlandês, não ignorando que se trata de uma economia com normalidade de crescimento elevado. Pois, se compararmos a posição da Irlanda em termos de PIB per capita, ela tem uma posição 24% acima da média da OCDE. Porém, quando medimos o rendimento disponível das famílias irlandesas, a Irlanda está 22% abaixo da média da OCDE, pressentindo por isso que os Irlandeses não devem estar muito orgulhosos com a sua performance de crescimento económico.

A imagem que abre este post documenta com um gráfico OCDE as diferenças existentes entre PIB per capita e rendimento disponível das famílias. Sabemos que as diferenças entre as duas variáveis se explicam, por exemplo, em períodos em que as remunerações do trabalho tendem a perder peso no valor acrescentado pelas empresas e quando a percentagem de lucros retida pelas empresas aumenta por oposição aquele primeiro fenómeno. O que está, aliás, a acontecer na maioria das economias avançadas. Esta diferença é melhor intuída pelo leitor comum. Há outros fatores, menos explícitos em termos de mensagem explicativa, como por exemplo os diferentes comportamentos observados entre preços ao consumo e índice de preços global implícito no PIB ou ainda por questões de política fiscal distributiva.

De qualquer modo e como moral da história, convém não ignorar que mais crescimento pode ser tão só uma condição necessária mas não suficiente para que os indivíduos vejam o seu bem-estar material melhorar, não por uma abstração, mas pelo rendimento que têm para gastos. Outra coisa é clamar por mais crescimento para uma melhor contabilidade do défice público (em percentagem do PIB, claro está). Isso é outra conversa, mas como dizia alguém há mais vida para além do défice, pelo menos não pensando como credores quadrados.

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