terça-feira, 4 de outubro de 2016

RECADOS DE COMISSÁRIOS ALCOVITEIROS




(A solução política inimaginável para muitos lá se vai aguentando, apesar das suas fragilidades e contradições, e a sua principal barreira continua a ser a pressão de uma PPE izada Comissão Europeia, com alguns Comissários a emergirem da sua irrelevância para deixar no ar as ameaças do costume)

Comissários alcoviteiros é a expressão que me ocorre para descrever personagens menores que vão destilando mensagens de alerta mais ou menos intimidatórias para o rumo das coisas em Portugal, provenientes da Comissão Europeia surpreendidas pelo rumo dos acontecimentos políticos em Portugal. O acordo parlamentar à esquerda esteve sempre longe das cogitações das autoridades europeias, até porque o seu eventual embora contraditório sucesso não bate certo com as “certezas” apregoadas por tão cinzentas personagens sob o manto protetor do PPE e a cumplicidade inicial de socialistas e sociais-democratas europeus. Também não imaginariam que uma eleição presidencial em Portugal trouxesse para a ribalta alguém que preza até aos limites do possível o valor da estabilidade política, ainda que baseada em soluções aparentemente heterodoxas.

Os Comissários alcoviteiros são, regra geral, gente que num mundo de igualdade de oportunidades levada efetivamente à letra não passariam da cepa torta. Personagens menores a quem não se conhece um pensamento de profundidade média. Personagens que, na sua ânsia de servirem de mensageiros quanto às orientações profiláticas de governação a seguir para não incomodar princípios pretensamente universais, entram frequentemente em contradição. Senão vejamos. A Comissária do Emprego, Assuntos Sociais e Inclusão, Marianne Thyssen, veio alertar as autoridades portuguesas não só para a “catástrofe” que pode vir aí com o aumento do salário mínimo, mas sobretudo para a necessidade da política económica nacional não acordar os mercados financeiros. A linguagem é preciosa. Não acordar os diabinhos, pois eles podem ser a fonte de todo o mal e, quando acordados, colocarem os países e autoridades europeias entregues à sua sorte. Entretanto, Günther Oettinger, membro do internamente acossado partido de Merkel, comissário europeu responsável pelas pastas da Economia e Sociedade Digitais e agora a braços com o Orçamento por força da licença sem vencimento da pouco Kristalina (Georgieva) que rumou a Nova Iorque para atrapalhar a seleção do secretário-geral da ONU, vá lá saber-se a coberto de que amo e senhor, não hesitou ontem na Comissão de Assuntos Europeus do Parlamento português em acordar os mercados com a sua preocupação de um segundo resgate financeiro, introduzindo por essa via mais uma alfinetada ameaçadora na solução política à esquerda em Portugal. Não foi seguramente por acaso que o seu foco no Parlamento foram os deputados à esquerda. Não deixa de ser simbólico, perturbar o sono dos mercados no próprio Parlamento, quando a colega do Emprego tão preocupada está em não acordar os diabinhos.

O cinzentismo dos alcoviteiros não vem fundamentado por quaisquer evidências ou trabalho teórico relevante realizado pela caterva de gente que o pode fazer na burocracia técnica europeia. No que diz respeito aos avisos da senhora Thyssen não está hoje demonstrado em lado nenhum que a consolidação orçamental à força imposta aos países endividados, acompanhada dos custos recessivos que ela determina, abra o caminho prometido em matéria de criação de emprego que a Comissária tanto apregoa. A destruição de emprego provocada pela ausência de uma solução macroeconómica coordenada para toda a Europa é tão elevada que esses países terão de, durante largos anos, jogar para recuperar dos pontos negativos. E o tempo em política é determinante, argumento como é óbvio sem valor para os que com a passagem pela Comissão Europeia estão a dourar o seu futuro, ao abrigo de todos os males e incertezas e os outros que se amanhem. É por isso que a senhora Thyssen e outros alcoviteiros mensageiros não têm nada para oferecer de combate às forças populistas que avançam desabridas, oleadas pela destruição que a referida consolidação fiscal descoordenada e à bruta deixam pelo caminho. Destruir hoje para abrir o caminho futuro da redenção não é neste contexto fundamento de programa político para ninguém. E se esse movimento continuar a intensificar-se as eventuais e raras forças bem-intencionadas que permaneçam entre as fileiras dos populares europeus serão elas próprias arrastadas pela corrente.

No contexto que vivemos, o tão invocado TINA não é uma alternativa consequente. Não o é porque não constitui uma resposta política consequente aos que antecipam na situação o caldo ideal para o regresso ao nacionalismo económico, o conservadorismo dos valores, o fechamento da imigração e o aperto das fronteiras. Compreendo que o The Economist se insurja contra os malefícios de uma globalização bloqueada (ver links aqui e aqui, retirados da edição impressa da passada sexta-feira), mas não compreendo que não denuncie com suficiente severidade os malefícios para essa globalização do que se vai fazendo e assumindo pela União Europeia.

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