terça-feira, 16 de abril de 2024

SOBRE A PERDA DE PODER DOS MACROECONOMISTAS

 


(Este é um dos meus temas de reflexão preferidos e algo paradoxalmente já há algum tempo que não passava por este blogue. Entretanto, um post do sempre perspicaz Noah Smith, “Twilight of the economists?”, recentra-me de novo o tema e aqui está a esperada reflexão sobre o mesmo. A ideia da perda de poder dos economistas em geral há muito que perdeu importância, pois a diversidade da profissão e da produção científica identificada com a economia é tal que se torna impossível qualquer generalização. Entretanto, também, deixámos de estar atentos e até contar a percentagem dos membros dos sucessivos governos que podem ser apontados como economistas, em compita com os provenientes da área do Direito ou das ciências da vida ou das engenharias. Também aí o tema se exauriu um pouco. Por isso, no meu radar de reflexão não é tanto a perda de poder e/ou influência dos economistas em geral que me interessa, aliás sou economista nem eu sei bem porquê, mas antes a dos macroeconomistas em geral, ou seja, dos que não alinham por uma formação de natureza microeconómica e antes se debruçam sobre aspetos mais globais das economias, seja dos aspetos macro propriamente ditos, seja dos que tratam temas com eles relacionados, como o crescimento e o desenvolvimento. Embora a análise deste tema exija que tenhamos em conta os diferentes conceitos de poder, podemos definir à falta de melhor o poder dos macroeconomistas como a sua capacidade de fazer aplicar as suas ideias e propostas junto dos decisores políticos ou das instituições que concebem e implementam políticas públicas. É no âmbito desta conceção expedita de poder que deve ser compreendida a ideia hoje relativamente generalizada de que os macroeconomistas perderam poder ou influência. Obviamente, com outras conceções podemos não chegar necessariamente às mesmas conclusões.)

Neste âmbito, exemplos, como Cavaco Silva ou Mário Centeno, macroeconomistas declarados, que chegam eles próprios ao exercício do poder político, devem ser considerados exceções a uma regra cuja veracidade se pretende explicar.

A aludida perda de influência dos macroeconomistas pode ser reportada nas suas tendências mais fortes à crise de 2007-2008, seja do ponto de vista da incapacidade que a macroeconomia revelou generalizadamente de a antecipar ou pelo menos de chamar a atenção para fatores que poderiam alertar para essa possibilidade, seja também da incapacidade de compreender as razões explicativas da recuperação relativamente frágil e agónica observada depois de ter sido ultrapassada.

Esta evidência histórica pode conter uma grande injustiça para os macroeconomistas. O seu papel não é propriamente o de prever fenómenos macroeconómicos, mas antes de explicar a sua formação em contextos de grande indeterminação. E existem mesmo fenómenos como, por exemplo, o da inovação, estruturalmente indeterminada, que só podem explicados consistentemente a posteriori.

Mas do ponto de vista da relação entre os macroeconomistas e a decisão política, o utilitarismo dos primeiros para a segunda depende muito da capacidade de antecipação de fenómenos, daí que se compreenda que 2007-2008 pela gravidade dos efeitos que provocou tenha abalado a confiança pública.

Mas mesmo a tribo dos macroeconomistas não é, nem por sombras, homogénea. Existe conflitualidade entre Escolas de pensamento e, como todos nos recordamos, essa conflitualidade esteve ao rubro em dois momentos muito particulares – na explicação da recuperação agónica após 2007-2008 e na crise das dívidas soberanas a propósito do pensamento estrela que comandou as teses punitivas da austeridade. Por mais atentos que estejamos a essa necessidade, quando se analisa o problema do ponto de vista da decisão política, essa conflitualidade agrava os riscos de perda de influência – percebendo a existência de conflitualidade de posições, os atores políticos tendem por precaução a afastar-se da mesma, a não ser que por motivos de apoio ideológico se prefiram uns em detrimento de outros. Por isso, as autoridades da TROIKA tinham os seus macroeconomistas de estimação e não hesitavam onde procurar a justificação para as suas medidas impopulares.

Uma outra fonte de perda de influência é comum a outras “especialidades”. A onda populista desdenha das elites como incapazes de compreender o povo e, nessa medida, os macroeconomistas são desacreditados por serem associados a essa elite que se quer afastar do poder.

O artigo a que anteriormente aludi de Noah Smith é interessante pois vai procurar as razões para a perda de influência ou de poder dos macroeconomistas na própria maneira como aí se faz ciência. Smith é particularmente crítico da chamada macroeconomia do equilíbrio geral, ou seja das teorias de toda a economia ou da economia como um todo (“todos os mercados, todos os consumidores, todos os produtores”). O problema não se situa propriamente na tentativa de formulação de teorias ou explicações globais, mas sim à propensão para as teorias gerais se sucederem a uma velocidade desenfreada. Teorias com parâmetros muito diferentes conflituam obviamente e acabam por generalizar a conflitualidade, sem que a disciplina pare para ver quem tem razão, distinguindo entre o trigo e o joio dos parâmetros. Como Smith explica os modelos macroeconómicos deixaram de rejeitados em função dos dados que precisaram para ser validados.

A macroeconomia do equilíbrio geral transformou-se assim numa espécie de sessão de discos pedidos em que cada interessado solicita a partir de um arquivo morto o seu modelo não testado de equilíbrio geral para tentar explicar uma dada matéria.

Mas o verdadeiro problema é que nenhuma dessas teorias gerais que descansam no tal arquivo morto tem a grandeza de uma Teoria Geral como a de Keynes. E, neste campo, Smith é particularmente perspicaz: “Quando os macroeconomistas podiam invocar que tinham respostas para as questões realmente grandes, eles eram compreensivelmente vistos como sábios, mas hoje quando as pessoas sabem que eles não têm muitas dessas respostas, esse respeito está a desaparecer”.

O que parece estar então a acontecer é que a maneira de fazer ciência dos macroeconomistas não os está realmente ajudar em recuperar o seu poder e influência, antes está a desgastá-los ainda mais. E provavelmente abandonar as grandes questões, pelo menos globalmente entendidas, e aprender a desconstruí-las e validá-las com informação empírica apropriada.

A não ser que um novo Keynes nos entre pela porta dentro, mas como sabemos isso não acontece todos os dias. Alguma modéstia de investigação é necessária. E no arquivo morto talvez haja algum material que mereça ser relido.

 

FULGURANTE INCURSÃO PASSISTA

(Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt) 

Afinal, o que quer Passos? O que quer ele ser ou não ser? De facto, this is the questionHá quem opine que o homem quer federar a Direita toda, assim se diferenciando do “não é não” de Montenegro em relação ao “Chega” – ou seja, enquanto este sonha em conseguir reforçar a sua base eleitoral e parlamentar para seguir no poder, o dito talvez já se tenha resignado à ideia de uma candidatura presidencial e quer concretizá-la bem longe do centro político e de qualquer consonância com o socialismo; daí a justificação do “chega para lá” que dedicou com rudeza a Paulo Portas (que acusa de não gozar de confiança junto dos senhores da Troika). Outros consideram que Passos ainda estará a jogar alguma cartada que o possa levar à sucessão de Montenegro, para o que uma assídua demarcação face a este se torna imprescindível (além de rezar com fervor); quadro em que a referência a Paulo Portas perde sentido justificativo e talvez não mais releve do que de uma pequena vingança servida fria. Mas há também aqueles que entendem que o atual problema de Passos resulta somente de um mix de perturbação pessoal (e realmente as adversidades da vida familiar não têm sido nada fáceis para ele...) e de forçada afirmação política reacionária (num carregar das tintas que decorre, por sua vez, de um misto de disfarçada mediocridade intrínseca com a vivência de um difícil envelhecimento em solidão). Seja como for, o que apostaria desde já é que Passos, se é que alguma vez foi promessa de coisa alguma em Portugal (o que é, a meu ver, bastante duvidoso), se encaminha a passos largos para a irrelevância política que sempre calha a quem rebenta de ambição fingindo nada querer e tudo poder.

segunda-feira, 15 de abril de 2024

CADA VEZ MAIS SUJEITOS A UM ERRO DE CÁLCULO

 

(A expressão não é minha, mas da jornalistaTeresa de Sousa. Mas não encontrei melhor forma para descrever a minha interpretação dos acontecimentos deste fim de semana. Pode dizer-se que ainda que inusitada pela magnitude de drones e mísseis envolvidos, a retaliação do Irão face à destruição do seu consulado na Síria sobre o território israelita pode considerar-se uma retaliação “educada” e bastante seletiva. Ainda assim, face à magnitude dos lançamentos que terão sido feitos, o modo como as defesas israelitas terão funcionado acaba por constituir um enorme fracasso para a retaliação iraniana. O absurdo e paradoxal em tudo isto, no que ao cidadão pouco informado parecerá uma guerra orquestrada, é que uma simples retaliação por mais seletiva e por mais inofensiva em termos de danos impostos a Israel que o tenha sido coloca o mundo perante o abismo possível de um erro de cálculo. Ou seja, o mundo a partir deste último fim de semana, se já estava perigoso quanto baste, está agora bastante mais imprevisível e claramente dependente de um possível erro de cálculo de qualquer um dos intervenientes. Neste momento, a jogada iraniana, claramente para salvar a face de um ataque difícil de explicar internamente, cometeu a proeza de juntar de novo em torno de Israel um coro imenso de países e de vozes que se haviam afastado, incomodados pela leviandade bélica do primeiro-Ministro israelita em Gaza e na Cijordânia. Mesmo que possamos considerar a retaliação iraniana como algo de calculado e seletivo, a verdade é que a sua decisão de retaliar colocou de novo Israel com o jogo na mão e os EUA de Biden numa posição cada vez mais difícil para ganhar alguma dianteira na tarefa ciclópica da sua reeleição.)

E o mais dramático é que o possível erro de cálculo pode acontecer a partir de várias fontes. Em primeiro lugar, ele pode acontecer dos lados de Israel apesar de todos os esforços de contenção da administração americana. Netanyahu pode ter a tentação de atacar o Irão e se isso acontecer então a probabilidade de escalamento e de transformação das retaliações em guerra aberta é elevadíssima. Por outro lado, se as autoridades iranianas procuraram circunscrever os efeitos da sua retaliação e avisar antecipadamente que ela iria ocorrer, já não é nada seguro que os chamados movimentos de proximidade a Teerão instalados no Iraque, no Líbano, no Iémen ou na própria Síria não incorram na tentação de castigar Israel.

Foi também possível verificar que o êxito israelita na defesa face ao ataque iraniano se deveu também em grande parte, não apenas à evolução de meios e de qualidade da sua própria defesa, mas também à participação nesse processo dos EUA, do Reino Unido, da França e da própria Jordânia, intervenção claramente facilitada pelo facto do Irão ter comunicado com alguma antecedência que iria retaliar atacando o território israelita. Isto sugere que Israel não poderá exagerar na tese da sua autonomia de defesa.

A cascata de danos indiretos começa a não ter fim. Os acontecimentos de Gaza retiraram centralidade aos da Ucrânia e colocaram esta num estado de grande fragilidade. Os acontecimentos deste fim de semana tenderão, por sua vez, a colocar de novo Gaza e a Cijordânia com baixa notoriedade no incomodar de consciências, precipitando os Palestinianos num sofrimento e abandono indescritíveis.

Custa ver uma sociedade milenária como o Irão, com um elevado potencial de conhecimento e de abertura para o mundo (veja-se a qualidade do seu cinema), continuar refém de um regime teocrático que a subjuga e lhe retira toda a criatividade possível. Praticamente todas as hipóteses de uma transformação endógena estão hoje bloqueadas pelas malhas do belicismo em que o regime teocrático se deixou envolver. Do ponto de vista religioso, o xiismo está hoje numa posição bem mais delicada do que no passado, sobretudo porque o seu adversário mortal, o sunismo, não menos autoritário, parece diplomaticamente revelar mais flexibilidade.

Os próximos dias serão de importância crucial para antecipar o que pode vir por aí e o que vier colocará obviamente o mundo na antecâmara de algo bem pior. O mundo estará dependente sobretudo do modo como os EUA de Biden conseguirão ou não imprimir contenção a uma possível contra-retaliação de Israel. Entretanto, por estes dias, Trump estará na barra do tribunal, por isso com pouca disponibilidade para animar o seu amigo Netanyahu.

 

domingo, 14 de abril de 2024

DE MAL A PIOR!

Ao início da noite de ontem, mais um prego no caixão da paz mundial! O ataque do Irão a Israel, em proclamada retaliação ao bombardeamento pelo Estado judeu da embaixada iraniana em Damasco, aumenta a dimensão da perigosa escalada que envolve o mundo sem que se percecionem caminhos de reversão possíveis. Sendo óbvio que o Ocidente não recuse o seu apoio a Israel, por razões históricas, democráticas e geopolíticas, já o é menos que o governo de Netanyahu e seus apoiantes radicais atuem na arena internacional com a impunidade que de há muito se conhece e que tem ocorrido de forma chocante nas suas recentes incursões em Gaza. Por definição, uma “ordem internacional” deve significar isso mesmo: ordem; e um pressuposto dessa mesma ordem deve necessariamente ser a de uma irrepreensível ética comportamental e relacional. Sim, eu sei que a realpolitik tem os seus alçapões e que estes obrigam a cedências e compromissos em tais domínios, mas tal nunca pode ser compaginável com “polícias do mundo” irreconhecíveis no plano dos princípios civilizacionais e humanitários. O resto está à vista e restam-nos os miríficos apelos à contenção e ao bom senso com que se vai enchendo a boca daqueles sobre cujos ombros recai a responsabilidade maior da desgovernação global em que vamos vivendo – até quando?


(Andrés Rábago García, “El Roto”, http://elpais.com)

(Andrés Rábago García, “El Roto”, http://elpais.com)

sábado, 13 de abril de 2024

ISTO COMEÇA MAL!

 


(Ontem, já depois do jantar da sempre agradável tarde com os netos do Porto, uma daquelas notificações irritantes que as assinaturas eletrónicas nos proporcionam muitas vezes sem pachorra para as anular chamou-me a atenção. Era assinada pelo Diretor do Expresso João Vieira Pereira e tinha o seguinte título – “Nota do Diretor: é mais do que um embuste. É enganar os portugueses”. Oh, esta é forte. E, ao contrário do que normalmente faço, apressei-me a ler a referida nota do Diretor. Em modo bastante incisivo, mas irritado, João Vieira Pereira pede desculpa aos leitores pela publicação de uma notícia objetivamente falsa. Mas que raio de notícia seria essa? A notícia tinha por base uma afirmação de Luís Montenegro no Parlamento segundo a qual duplicaria a descida do IRS até ao verão. Misteriosamente, ninguém entre os especialistas da matéria duvidou da afirmação e ela fez notícia. Não se contendo, JVP afirma: “A redução de IRS que Luis Montenegro anunciou com pompa e circunstância, a redução de impostos que andou na campanha eleitoral a defender, é afinal falsa. São apenas pequenos ajustes sobre a redução já anunciada por António Costa no Orçamento para este ano. Os 1500 milhões de euros são apenas €170 milhões, porque 1330 milhões de euros foram já implementados pelo anterior governo. Luis Montenegro apresentou uma redução de impostos que não passa de um embuste (em sublinhado na nota do Diretor).)

 

Comecei, em primeiro lugar, por interrogar-me sobre as razões que me tinham levado a reagir tão rapidamente a tal notificação. A explicação é simples. Nos últimos tempos, o tom da comunicação social alterou-se profundamente, como se estivéssemos num país diferente. Se assim fosse por todo o lado, o tema e os riscos da instabilidade política seriam mandados às malvas e toda a gente atirar-se-ia a eleições para mudar os países e as suas desconformidades. A utilização de palavras como embuste e enganar os portugueses são palavras fortes para uma nota de Diretor de um jornal com o peso do Expresso. Por isso, imagino que por detrás daquela irritação espontânea de JVP estarão outras razões ou preciosidades das quais não iremos ter conhecimento.

Por tudo isto, embora não abandone a minha expressão de o governo do benefício da dúvida, já que o novo governo a merece por questões de tolerância política, a verdade é que, em meu entender, as personalidades políticas não mudam como se fossem atingidas por toques de Midas. E Luís Montenegro é o que é, um homem esforçado e que chegou provavelmente onde queria, talvez não nas condições que desejasse, mas é a vida, mas isso não chega para granjear a minha confiança.

E esta notícia do Expresso fazendo mea culpa de algo que considerou ser uma notícia falsa que terá publicado é bem a prova da minha desconfiança política. E, já agora, com o governo a funcionar e com os diferentes Ministros a ter que dar à perna muitas incongruências irão emergir. Até porque não é possível ter uma central de comunicação interna, uma espécie de lei da rolha de última geração, que controle os desejos de aparecer a dizer coisas em público. E como já disse antes, este é um governo que vai distinguir-se seguramente pelo parlapatório (não sei se a palavra existe, se não existir passa a existir no meu vocabulário).

Isto começa mal!