quinta-feira, 18 de agosto de 2016

BILES, BOLT, PHELPS e VAN NIEKERK



(Agora que os Jogos se aproximam do seu ocaso e que a participação portuguesa corre o risco de ser uma das piores de sempre, austeridade oblige, uma visão impressiva do evento projeta-me apenas em quatro nomes, o que é pouco)

Emanuel Silva e João Ribeiro na canoagem e João Pereira no triatlo estiveram prestes a atenuar o infortúnio nacional, que teve de tudo, algas, folhas, fraturas de stress e outras maleitas, mas que será antes fruto da situação global do país e da escassez de recursos públicos que nos tem acompanhado nos últimos tempos e que continuará por muito tempo a impor determinação e rigor em algo que, decididamente, somos canhestros, as escolhas públicas.

Num evento como os Jogos, em que a dimensão do coletivo está presente, sem dúvida, continua a ser a dimensão do atleta individual que nos fica na memória, nesse misto de perseverança, determinação, confiança, luta contra a adversidade, penosidade e tempo, superação, capacidade de sacrifício e de abdicação dos prazeres da vida.

E nessa dimensão individual são apenas quatro nomes à escala global que passarei associar aos jogos do Rio, que na minha memória ficarão como os Jogos da piscina verde, imagem simbólica de um Brasil no fio da navalha. Os quatro nomes são Simone Biles a ginasta americana de outro planeta, Usain Bolt e o seu sorriso voador, Michael Phelps e a sua espantosa consistência de vários tempos e Wayde Van Niekerk, o sul-africano que está próximo de numa corrida de 400 metros conservar o ritmo de quatro corridas de 100 metros. Dos quatro nomes, Wayde Van Niekerk é talvez aquele sobre o qual é mais difícil falar, pois aqueles 400 metros podem ser seja a espantosa convergência de um conjunto imenso de condições favoráveis, uma oferta dos astros, ou anunciar um atleta também do outro mundo. Quanto aos restantes três atletas, a interrogação que me ocorre é a de saber se estamos perante dádivas da natureza que emergem aleatoriamente de vez em quando ou se, pelo contrário, estamos perante condições inatas ímpares combinadas com mão humana de metodologias de treino e preparação ao alcance de poucos, em termos de conceção e de capacidade de resistência dos atletas para a sua aplicação.

Biles, Bolt e Phelps representam três situações muito diferenciadas. Gostaria de compreender melhor em que medida a experiência e arte da treinadora da seleção feminina de ginástica dos EUA, Martha Karolyi, responsável pela saudosa Nadia Comaneci, tem influência de peso na qualidade ímpar das atletas americanas e sobretudo no potenciar da flexibilidade de Biles. A experiência do rancho no qual decorre a preparação deve esconder segredos metodológicos notáveis, à qual se junta uma vida e origem na adversidade da atleta (mãe viciada em droga) que a projeta para um outro estádio da ginástica. Phelps é a imagem da tenacidade e da capacidade de focagem num objetivo intertemporal, com superação de uma fase de vida em que o alcoolismo e a depressão ditaram regras. A sua passagem de testemunho para o nadador de Singapura é indiscutivelmente uma imagem destes Jogos. Bolt é talvez o que respira mais condições inatas, aquele seu sorriso de fim de prova é toda uma legenda. José Manuel Fernandes, num excelente texto no Observador sobre os Jogos, remete-nos para um artigo no Guardian onde se discute a propensão genética dos jamaicanos para a velocidade (ver link aqui).

O que nos reservará Tóquio nesta matéria? A continuidade de Biles no topo? Talvez ainda Bolt? Ou emergirão novos outliers?

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