quarta-feira, 24 de agosto de 2016

O BURACO DE JACKSON




(O simpósio económico de Jackson Hole produz recorrentemente conhecimento a que não podemos ficar indiferentes, e há quem por antecipação marque terreno)

Os americanos levam estas coisas do conhecimento muito a sério. O debate das ideias em economia não é por isso coisa mole e sensaborona. O Banco da Reserva Federal de Kansas City (que memórias dos western em quadradinhos) organiza regularmente nos meandros da América profunda, lá para as bandas do Wyoming, um simpósio económico (ver link aqui sobre a iniciativa) que tem marcado a agenda do debate económico. Jackson Hole é um nome inimaginável para cunhar uma discussão. Em amena cavaqueira de há já alguns anos com o governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, que esteve presente em Jackson Hole pelo menos uma vez, tive oportunidade de confirmar através do seu testemunho que o ambiente é especial, propício ao exercício glorificado do debate das ideias e, regra geral, a blogosfera económica.

A iniciativa de 2016 aproxima-se vertiginosamente, tendo lugar entre amanhã 25 e sábado 27 de agosto, estando disponível amanhã pela tarde o programa definitivo e normalmente os PDF das principais intervenções. O tema deste ano promete e vai muito na linha de alguns posts mais recentes da minha responsabilidade, numa tentativa talvez vã de divulgar temas que, peregrina e estupidamente, alguns teimam em considerar afastados dos interesses do debate económico em Portugal. O tema é “Designing Resilient Monetary Policy Frameworks for the Future” e confirma o que tenho vindo modestamente a transmitir neste espaço: a política monetária nunca mais será a mesma, não sabendo ainda em torno de que ideias centrais ela irá estabilizar. Compreendo que os que escreveram alto e bom som que o ciclo económico estava dominado e que a política monetária tinha atingido o zénite da sua conceção e operacionalização a ponto de anular a política fiscal e a sua contaminação política estejam a ver as suas vidinhas de estrelato e de faturação de conferências a andar para trás. Mas o que fazer? Mexam-se, não petrifiquem as ideias e enriqueçam o debate que os bancos centrais certamente agradecerão e talvez alguns dólares ainda caiam nos fundos de apoio à investigação económica.

Como é também recorrente nestes tempos de agosto tardio, a blogosfera económica anima-se por antecipação face ao debate de Jackson Hole, embora nem todos tenham o privilégio de receber um convite do Kansas City Federal Reserve Bank.

Como tenho vindo a salientar, embora se trate de debates centrados na economia americana e na ação do FED, dificilmente a discussão passará à margem dos olheiros do BCE e nem sei neste momento se alguém da inteligência monetária europeia (quem?) terá sido convidado.

Brad DeLong avança com uma proposta de agenda, onde ressaltam ideias já aqui comentadas em posts anteriores (ver link aqui):

  • Entender a que meta inflacionária dos 2% não é necessariamente um teto e que pode ser entendida como uma média de referência, impondo-se nas condições atuais a subida do seu nível de referência ou a inscrição como metas do nível geral de preços ou do PIB;

  • Aumentar a efetividade com que a política monetária gere a procura agregada e impedir que determinadas despesas públicas como a educação se transformem em despesas de caráter cíclico, ou seja que diminuam em fases recessivas, agravando a recessão;

  • Intervir indiretamente nos níveis de tolerância do risco em ativos financeiros mais seguros e aumentar a oferta destes últimos, no quadro de uma transição de paradigmas: do estado da arte (falhado) em que “dívida pública e défices são sempre maus” passar a um outro em que se admita que “em certas condições, a dívida nacional soberana que têm o exorbitante privilégio de criar ativos seguros quando emitem dívida pode ser uma bênção global”;

  • Integrar articuladamente diferentes fontes de previsão macroeconómica.

Dir-me-ão alguns, olha-me este a glorificar a dívida soberana, talvez para justificar o seu crescimento para uns perigosos 131% em relação a Portugal com dados do fim do 1º semestre de 2016. Estejam descansados. Nem todas as economias (por isso é que no terceiro ponto se refere “em certas circunstâncias”) podem ser vistas como emitentes de ativos seguros e a situação portuguesa é bem difícil, não vale a pena escamotear tal realidade. Não é o problema de Portugal que está em causa. O trágico da questão é que a ortodoxia resiliente considera que mesmo no caso dos países que podem por via das dívidas soberanas emitir ativos financeiros seguros se deve seguir a máxima de que dívida e défices há que fugir deles. É contra essa pretensa ameaça pestífera que é necessário construir uma agenda alternativa e talvez apareçam em Jackson Hole (veremos) contributos nesse sentido.

Com estas passagens pela página do simpósio, voltei a ler um artigo de Lawrence Summers e Bradford DeLong (“Macroeconomic Policy and Long-run Growth”, ver link aqui), apresentado na edição de 1992. Um artigo que é um verdadeiro manual de política económica e sobre a sua capacidade de intervenção no crescimento da produtividade, entendida aqui como a variável que a longo prazo mais influencia a nossa vida material. É espantoso como 24 anos depois, há quatro grandes conclusões de incontornável artigo que devem estar à cabeceira dos decisores políticos com intervenção na esfera da política económica. Aqui estão eles e dá gosto anotar a sua resiliência:

  • Políticas macroeconómicas erradas ou distorcidas podem penalizar seriamente o crescimento da produtividade, mas boas políticas são apenas uma condição necessária, embora não suficiente, para estimular essa produtividade;

  • Políticas anti-inflacionárias demasiado zelosas podem comprometer a produtividade;

  • Mesmo investimentos com elevados retornos sociais (os autores falam do referencial de 15% ao ano) podem limitar-se a efeitos modestos sobre o crescimento da produtividade, podendo dizer-se que apenas investimentos específicos com elevados retornos sociais acima dos ganhos privados (isto é, com reflexos significativos na produtividade total dos fatores e não apenas na produtividade do trabalho nas empresas que realizam os investimentos ou que deles mais beneficiam) podem contrariar o crescimento lento da produtividade;

  • Os investimentos em equipamento tendem a apresentar internacionalmente efeitos consideráveis sobre a produtividade, sugerindo a bondade e resultados de incentivos ao investimento em equipamento e a não neutralidade da política fiscal sobre o investimento.

Quem pesquisa e assim escreve não é parvo nem disléxico. Não sei se o novo CEO da Caixa Geral de Depósitos terá lido alguma vez este artigo. Recomendá-lo-ia vivamente, pro bono. Acredito que o ministro da Economia Caldeira Cabral o tenha lido e seria uma boa altura relê-lo, senão ele pelo menos a sua Chefe de Gabinete, Doutora Joana Almodovar, minha antiga aluna.

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