quinta-feira, 11 de agosto de 2016

TELMA




(Nestes dias de modorra estival e não querendo fazer dos incêndios que vão marcando os últimos dias de férias aqui por Seixas-Caminha matéria de blogue, ainda é a imagem da energia desmedida de Telma Monteiro que marca a reflexão de hoje)

Embora não seja central na minha atividade profissional, o ordenamento do território já me fez queimar algumas pestanas, sobretudo ao nível do macro-ordenamento do país e da região Centro em particular. A coordenação dos trabalhos do Plano Regional de Ordenamento do Território da região Centro, concluindo no seu devido tempo, e que aguarda inexplicavelmente desenvolvimentos legislativos, os quais já não acredito que venham a ter lugar depois de tanto baralhamento político na governação Paf, constituiu talvez o marco principal dessa minha incursão por tema tão desacreditado em Portugal.

No âmbito desse trabalho, tive oportunidade de conviver de perto com especialistas do ordenamento florestal e da prevenção de incêndios florestais e percebi que não era por ausência de conhecimento nacional sobre a matéria que o país assiste resignado, para gáudio do voyeurismo televisivo mais sórdido, à trágica destruição de património, vidas, paisagens, culturas. De facto, já não há paciência para os que apenas se lembram do ordenamento na canícula incendiária dos agostos que se sucedem, pois entre esses defensores de última hora do ordenamento do território seguramente que encontraremos responsáveis ativos pela sua desvalorização e banalização. Para além disso, como o meu amigo Américo Mendes costuma lembrar (excelente o seu artigo recente no Público sobre as brigadas de monitorização florestal que ninguém parece interessado em apoiar), continua a ignorar-se que mais do que 95% da floresta nacional é privada e que o Estado deixa muito a desejar na preservação do pouco que lhe cabe na repartição da propriedade.

Por isso, com tanta hipocrisia no ar, é legítimo admitir que os interesses em torno da via reativa rapidamente se sobrepõem em detrimento do investimento na prevenção e na gestão florestal moderna. Quem é que de juízo perfeito se atreve a negar a relevância do balúrdio dos meios aéreos de combate aos incêndios como forma de intervenção de recurso?

Por isso as inúmeras vozes (em regra críticas da governação que apanha esta questão por resolver quando o país está a banhos) que se atiram à reprodução mecânica do discurso do ordenamento, recorrentemente e em plena tragédia de fogos por todo o lado, têm toda a razão em denunciar essa hipocrisia. É que a sua visão do ordenamento do território é poética, ignorando que não há ordenamento do território sem investimento público forte e sistemático e o ordenamento florestal não foge à regra.

Nesse contexto de hipocrisia congénita e disseminada pela ação política a vários níveis, apetece destacar a energia de Telma Monteiro, como exemplo de perseverança, que já se anunciava naquele desfile da sessão inaugural, em que a judoca portuguesa irradiava a felicidade de uma adolescente, incomum em alguém que procurava denodadamente uma medalha na sua quarta presença olímpica e que não desiste de uma possível participação em Tóquio. A genuinidade é o melhor antídoto para a hipocrisia.

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