segunda-feira, 12 de setembro de 2016

A GALIZA AQUI TÃO PERTO




(Algo desapercebidas no lio em que a situação política espanhola se transformou, as eleições regionais na Galiza representam uma espécie de paradigma replicante das eleições gerais, com a diferença substancial de que a governabilidade não está neste caso em causa)

Pelas piores razões, ditadas pelo acidente observado no Celta, o depauperado comboio que faz as ligações entre Porto e Vigo, a Galiza emergiu de novo nos radares da imprensa nacional, anulando qualquer referência às eleições regionais que terão ligar este mês de setembro, lá para o fim. A tragédia do acidente de Porrinho, para além do infortúnio tráfico dos mortos e feridos provocados pelo acidente, é não só uma derrota das autoridades nacionais de Espanha e Portugal que continuam a manter a linha nas condições de insegurança agora manifestadas, mas também de todos os que precocemente anunciaram que a modernização da linha Porto Vigo estava assegurada. Recordo-me de neste blogue alertar para a distância imensa que existe entre os textos das declarações das cimeiras ibéricas e a triste realidade do investimento público que deveria vir a elas associado em termos de programação. Para maior tragédia circunstancial, o Celta circulava naquele dia entre Vigo e Porrinho com cerca de 70 passageiros, que é quase o triplo da frequência média observada naquele troço da ligação em território galego. Entre os mortos, contava-se paradoxalmente um turista americano, provavelmente dos que continua a considerar que aquela ligação internacional deve continuar a existir como serviço público ao serviço do relacionamento inter-regional e transfronteiriço.

Com o alarido do acidente, as eleições regionais galegas passaram para uma penumbra de quase anonimato. E é pena porque elas têm significado acrescido, sobretudo porque acontecem no meio de mais uma crise investidura para a governação central em Espanha, provavelmente a caminho de terceiras eleições, as quais, a realizarem-se, anunciam forte abstenção dos galegos.

O sempre controverso Xosé Luís Barreiro Rivas, professor de ciência política na Universidade de Santiago de Compostela, com o qual privei em algumas conferências e eventos da cooperação transfronteiriça animada pelo Eixo Atlântico, assina hoje na edição digital da Voz de Galicia uma sugestiva crónica sobre a divisão que se manifesta na região entre o PP e uma amálgama de forças políticas que pretendem apear da governação Nunes Feijó e o PP. O termo amálgama aplica-se como uma luva, pois o conjunto político formado pelo movimento das Mareas, de representações do PODEMOS, do Partido Socialista Galego (PSG) e do Bloco Nacionalista Galego (BNG) não tem ponta por onde se lhe pegue em termos de convergência na ação. Não me espanta que o apoio a Nunes Feijó se paute pela aposta na estabilidade e na manutenção da ordem institucional, até porque Feijó está menos tocado pelos salpicos da corrupção no PP do que o próprio Rajoy e tem líderes galegos com grande peso como a ex-ministra Ana Pastor, hoje presidente do Congresso de Deputados, representantes de um PP mais institucional e menos sujeito aos arrivismos dos deslumbrados pelo poder e pela sedução dos “cartos”.

De certo modo, a Galiza representa uma réplica da situação política espanhola, onde o PP continua a ser o país mais votado mas uma larga coligação negativa está apostada, algo suicidariamente em meu entender, em evitar que o PP governe mesmo que em minoria. Mas há uma diferença substancial, tudo indica que a larga coligação negativa não impedirá o PP de Feijó obter uma maioria absoluta mesmo que à tangente, ao mesmo tempo que o PSG se afunda para limiares impensáveis e o BNG quase que desaparece do xadrês político regional. Não acredito que os resultados das eleições regionais na Galiza tenham efeitos que se vejam nas mais que prováveis eleições nacionais, nas quais o PP parece poder reforçar a sua votação, ainda que muito ligeiramente. A registar-se alguma influência, admito que o afundamento do PSG possa projetar no PSOE os riscos de manter a posição de impedir a governabilidade conduzida pelo PP. Paradoxalmente, há sondagens que evidenciam o que o jovem líder do PSOE está a aumentar os apoios internos do seu partido à sua posição de inviabilizar qualquer solução governativa. Há duas interpretações possíveis para estes 50% de apoio à ingovernabilidade. Por um lado, o PP tem feito tudo para alimentar a rejeição da governabilidade. A indicação do ex-ministro da Economia Soria, fortemente salpicado pela corrupção, para o Banco Mundial é um exemplo de manual de arrogância política. Mas, por outro, podemos ter aquele efeito tão conhecido e humano de, face ao abismo, a união fazer a desgraça parecer menos dura. O PSOE está em maus lençóis e creio que de Espanha virão ventos amortecidos da mudança política que António Costa desejaria para as economias do sul.

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