terça-feira, 20 de setembro de 2016

AQUI DEL-REY, O IMPOSTO!




(A direita e a esquerda envergonhada e de má consciência estão de cabelos em pé com a tirada de Mariana Mortágua sobre a tributação do património imobiliário, como se a desigualdade não existisse e não preocupasse quem discute a sustentabilidade das economias de mercado)

Mariana é Mortágua e, nessa linha de descendência, combatividade não lhe falta. Numa comissão parlamentar, destilando a sua competência técnica, é apreciada e tolerada, mesmo que seja dura a denunciar os malefícios e falta de vergonha da financeirização da economia portuguesa e de alguns banqueiros. Outro galo canta quando ousa invadir os domínios da governação. Aqui D’el Rey vem aí o confisco, a “chavização da economia portuguesa (Ó santa estupidez!), a diabolização da poupança e da acumulação patrimonial e outros tantos dislates, dos acantonados no Observador a outros redutos, com maior ou menor expressão. O PS estará a pegar fogo e, na sessão em que Mariana larga a deixa de que é necessário ir buscar receitas a quem acumula, o rosto aberto de João Galamba ainda assusta mais os que vêm em Mariana uma perigosa contaminação para o PS.

Em vários textos, já aqui expressei a minha interrogação de que em democracia a fadiga fiscal é um constrangimento significativo e que, por isso, qualquer aumento relevante da carga fiscal deve ser percebida pelo eleitor no quadro das contrapartidas das escolhas públicas e da despesa associada que o adicional de receita fiscal irá permitir. Não ignoro ainda que o baixo nível de desenvolvimento económico da sociedade portuguesa está perigosamente a concentrar a base de punção fiscal possível, na prática poucos asseguram o grosso da receita fiscal, sobretudo tendo em conta que a facilidade com que se põe o dinheiro ao fresco tende a reduzir ainda mais essa base. Tenho nessa matéria a consciência tranquila, pois a minha carga fiscal justifica que seja exigente para com a governação e pretenda ver os frutos concretos do distributivismo que ajudo ano após ano a construir. Também já aqui manifestei a minha discordância para com a comunicação das opções do orçamento às fatias ou às pinguinhas, já que tal método não permite aferir do quadro global de escolhas públicas que o configura e que tal limitação acaba sempre por voltar o feitiço contra o feiticeiro. Mas isso não significa que engula a hipocrisia dos que vêm em Mariana uma perigosa deriva radical do PS.

A direita assumida que glorifica as virtudes da economia de mercado e a inevitabilidade do capitalismo e a esquerda envergonhada que tarda a definir o lugar que pretende conceder à iniciativa económica privada parecem ignorar o debate que se vai instalando sobre os malefícios da desigualdade crescente para a sustentabilidade da própria economia de mercado. Quer nos projetemos na desigualdade relativa (medida por um indicador sintético como o coeficiente de GINI) ou nos preocupemos com a desigualdade absoluta que resulta do facto de uma dada taxa de crescimento do rendimento não colocar os grupos de rendimento na mesma posição, hoje não é necessário ser “chavista” para compreender que a desigualdade é um problema interno do capitalismo. Aliás, o modo como a desigualdade é afrontada está na raiz, a par de outras variáveis, da perceção de que o capitalismo tem variedades e que nem todas apresentam a mesma sustentabilidade. Ora, o combate à desigualdade tem na política fiscal um instrumento de eleição. Por isso, embora não ignorando os efeitos políticos da fadiga fiscal, sobretudo quando ao esforço fiscal não correspondem escolhas públicas claras, e a possibilidade da globalização não regulada comprometer a punção fiscal, é pura hipocrisia fazer do imposto sobre o património imobiliário a fonte de todas as catástrofes. Sobretudo, quando em alternativa, as mesmas forças do apocalipse não libertam nenhuma ideia para compreender fiscalmente a acumulação de um dado património para além de certos limites.

Para além disso, a economia portuguesa não está em velocidade de cruzeiro. Está a tentar recuperar de um penoso processo de ajustamento em que a não tributação do capital não logrou atingir os efeitos compensatórios que se atribuem a esse pudor fiscal. Assim sendo, parece estar dentro das margens de intervenção democrática da maioria parlamentar procurar uma base de consolidação fiscal com sacrifícios mais repartidos. É um risco mas poderá ser avaliada numa futura consulta democrática ao povo português. Com as forças políticas atualmente na oposição a escudarem-se na não apresentação de soluções e consequentemente a sujeitarem-se à pressuposição de que repetiriam a dose fiscal do processo de ajustamento, se consultado o povo português dirá de sua justiça. Não me parece que a procura de uma maior equidade fiscal, designadamente através do imposto sobre o património imobiliário acumulado acima de um dado limiar, seja incompatível com a criação de um enquadramento percetível para o investimento privado, matéria na qual a posição do governo tem primado por ausência. O alarido mais ou menos vociferante que grassa por aí tem de ser entendido no quadro da bateria de materiais arremessados à maioria parlamentar a partir do momento que o acordo dava mostras de alguma continuidade.

O facto de Mariana ter passado de deputada competente a ameaça à liberdade económica, com toda a série de atoardas a pintar a manta, é mais uma tentativa do comentário político se substituir a uma oposição que pouco mais é notada (Cristas bem o tenta) do que pela repetição dos argumentos que nos foram vendidos com a história da saída limpa. Na verdade, todo esse ideário liberal de desconstrução da maioria parlamentar não o confessa, mas bem lá no fundo gostaria de poder contar com uma outra oposição. Os seus amos e senhores assim o desejariam. E também bem lá no fundo antecipa que chegar à maioria absoluta para governar, pois se a não tiver corre o risco da direita não o poder fazer, vai ser o cabo dos trabalhos com estes protagonistas. Tudo isto não significa, entretanto, que as coisas estejam bem pelo reino. Em vários posts o tenho procurado evidenciar. A matéria para mim central é avaliar se o acordo à esquerda tem elasticidade suficiente para compreender que não pode ignorar a necessidade de construir um enquadramento minimamente apelativo para o investimento empresarial. Ou então saber se o PS tem força suficiente para o forçar nesse contexto parlamentar, ao mesmo tempo que continua com o TINA dos burocratas de Bruxelas a morder-lhe as canelas.

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