domingo, 18 de setembro de 2016

CARVALHO ACUSA


(A geringonça está sob a mira de Manuel Carvalho, está no seu direito de opinião e o importante é avaliar se é produto do mau-humor anti-poder ou, se pelo contrário, oferece matéria sobre a qual valha a pena refletir. Estou mais inclinado para a segunda do que para a primeira)

Gosto da prosa e da postura do jornalista Manuel Carvalho do Público. Não manda dizer por outros o que lhe vai na alma, é frontal no que escreve, geralmente baseado em conhecimento fundamentado. Estive com ele num número reduzido de eventos públicos e não sei por que carga de água se refere às minhas intervenções como o “académico” António Figueiredo. O que para um “practitioner” assumido causa sempre alguma incomodidade, mas isso não chega para influenciar a minha opinião sobre o que escreve regularmente.

Há umas crónicas a esta parte, Carvalho tem vindo a desancar sobre o modelo da geringonça, diria em escala de animosidade crescente. O artigo de hoje vai nessa linha. E, enquanto saboreava o café da manhã de domingo, depois de comemorar em Seixas os 40 anos do filho mais velho (como o tempo passa) e simultaneamente o batizado do neto Pedro, foi-se-me formando no espírito esta charla. E acho que o que Carvalho diz merece reflexão a todos os que estão mobilizados para encontrar uma alternativa de governação que escape à sanha “ajustadora” de projetos tipo Paf.

O tema inspirador é o imposto sobre a acumulação de património imobiliário que, no deplorável modelo de preparação do orçamento às pinguinhas (ver meu penúltimo post), saltou para a ribalta do comentário político, à falta de melhor, pois o ano letivo parece ter arrancado sem grandes trapalhadas (o que já é uma vitória da geringonça e do seu jovem ministro-investigador) e o resplandecente ego de Jorge Jesus não chega para ocupar a atenção do pessoal. Carvalho parece não estar contra a mensagem e significado que atravessam a proposta do novo imposto, mesmo que a monocórdica Teodora tenha trazido para a discussão o tema da estabilidade fiscal. O imposto tem uma carga distributiva assumida (e, declaração de conflito de interesses, sossegou-me que as minhas duas habitações (de residência e de lazer) não chegam, nem nada que se pareça, aos limiares que têm sido comunicados. A alternância democrática, se pode gerar algum sobressalto à monocórdica Teodora, tem sempre de oferecer alguma margem de manobra de escolhas políticas e a figura do novo imposto está, em meu entender, no âmbito dessa margem de manobra. Por isso, parece não ser o motivo do assanhamento de Carvalho e não me parece também que o tema da estabilidade fiscal suscitado pela monocórdica Teodora tenha impressionado o jornalista.

O que provocará então o tom desabrido de Carvalho? O jornalista do Público denuncia o que, no seu entender, constitui a ocultação dos fundamentos que determinam a procura de receita adicional que o imposto sobre a acumulação de património imobiliário, para além de certos limites, representa. Segundo Carvalho, o governo deveria transmitir preto no branco aos portugueses a seguinte mensagem justificativa: para financiar a despesa pública adicional necessária para concretizar as apostas que subjazem ao acordo parlamentar à esquerda e dada a fragilidade da resposta do sistema produtivo nacional aos incentivos políticos da nova governação, novos impostos são necessários, o mais distributivos possível, para garantir que tudo se mantém dentro dos limites que o colete de forças das regras europeias acabam por determinar.

Ora, meus amigos, acho que o que diz Carvalho merece alguma atenção. Outros dirão que a equação não se resolve assim. Resolve-se convencendo a nova maioria de esquerda que a progressão do caminho para o “bem-bom” não pode ser tão rápida. Mas na minha interpretação o mais importante do que Carvalho diz não está em refrear os ímpetos “reposicionistas” do suporte político da nova governação. O mais importante, e aí claramente em linha com o que tenho escrito por estas paragens, é a falta de resposta do sistema produtivo nacional para acomodar a intensidade da reposição do simulacro nacional de aproximação ao bem-estar material do Europeu médio. Ora esse é em meu entender o ponto fundamental. E aqui há matéria sobre a qual ainda não é possível ter uma ideia mais segura para fundamentar qualquer intervenção, se é que ela é possível, pois a esquerda tem por vezes a ideia peregrina de que a política económica pode resolver tudo. Não, não pode. Tem limites e convém ter isso sempre presente. As questões em aberto são as seguintes: (i) a fragilidade de resposta do sistema produtivo nacional deve-se a uma falta de confiança na geringonça e no seu futuro político, penalizando irremediavelmente o investimento? (ii) Ou deve-se à situação económica de estagnação secular que aflige em grande parte os países que constituem os nossos mercados preferenciais; (iii) Ou os portugueses estão a antecipar as benesses aos consumo que a nova governação proporcionou travando esse consumo para ver em que param as modas, reduzindo dívida pessoal, por exemplo? (iv) Ou será ainda que a economia informal está a absorver o alívio das condições melhoradas de rendimento, designadamente absorvendo as que se libertam com o ano excelente de turismo que estamos a experimentar?


É que a resposta global do sistema produtivo nacional não se mede pelas notícias de sucesso de investimentos privados que povoam os semanários ou que alimentam as já gastas visitas de ministros e Presidente para massajar o ego dos portugueses. Não são as “modas” estatísticas da distribuição que alimentam a recuperação global, mas antes as médias. É sobre esta matéria que Carvalho gostaria que houvesse por parte do Governo uma comunicação aos Portugueses mais clara e frontal. Não sei se isso seria possível, pois este Governo como tantos outros exagera na capacidade que a política económica tem para poder influenciar realmente a resposta do sistema produtivo global e isso é também verdade quando capitaliza exageradamente melhorias de situação económica global entretanto observada. E quem comete tal erro, tende a subverter depois as respostas possíveis para explicar a falha da resposta pretendida. Há uma verdade indesmentível que é quase sempre escamoteada. Manejar o investimento público é uma coisa, procurar influenciar o investimento privado é outra completamente diferente, e os projetos governamentais parecem por vezes admitir que é tudo uma questão de grau de confiança. Sobretudo quando a margem de manobra para o investimento público está fortemente cerceada pelas regras europeias. Ora, o que já não se compreende e continuo à espera de uma justificação cabal para não totós é que a componente de investimento acionável via Fundos Estruturais tenha permanecido tão periclitante em termos de execução. Perante a não resposta assumida a estas questões, compreendo a irritação de Carvalho ao denunciar que o imposto sobre a acumulação de património imobiliário é uma manobra dilatória, embora distributiva.

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