segunda-feira, 5 de setembro de 2016

ESCUTEM O JOAQUIM!




(Onde se regista a relevância de uma crónica de Joaquim Azevedo hoje publicada no jornal Público, que todos os defensores da escola pública deveriam discutir aprofundadamente)

O Doutor Joaquim Azevedo é seguramente daqueles nomes cujos escritos e testemunho, depois de consumida a espuma do tempo e terem assentado todas as poeiras das conjunturas políticas, ficará na história da educação em Portugal. Não tenho dúvidas disso. Apesar do meu relacionamento pessoal, mais intenso no passado, não significar convergência política em muitos assuntos, não sinto qualquer constrangimento em reconhecer o seu contributo para o futuro da educação em Portugal. Quando foi secretário de Estado da Educação, se na altura não tivesse apanhado com Couto dos Santos como ministro, a sua ação teria tido outro alcance, mas dos tempos em que dirigiu o ensino técnico-profissional e artístico ficaram resultados e experiências que ainda são recordados entre a comunidade educativa. A sua passagem como Reitor pelo Centro Regional da Universidade Católica no Porto deixou um rasto de frustração, mas haverá muita coisa intra-organização da Universidade Católica que nos escapou e que certamente explicaria esse rasto de frustração.

O Joaquim Azevedo tem uma presença contida nos meios de comunicação, o que significa que fala ou escreve quando vê nisso justificação pública, que é um princípio que me agrada fortemente, farto de passarada que só produz ruído e cujo pensamento se esboroará naturalmente com o não acesso a esses meios. Pois, o Joaquim Azevedo coloca hoje no Público um sério desafio aos defensores da escola pública, nos quais me incluo. Acho sinceramente que o devemos ouvir e discutir se o que ele apresenta no artigo resulta de uma experiência pontual e localizada (neste caso em algumas escolas do Porto), merecedora de correção mas sem amplitude digamos sistémica, ou se pelo contrário estaremos perante uma deriva de mais larga amplitude.

O artigo em apreciação denuncia, e pelo tipo de trabalho de terreno que tem coordenado o autor sabe do que fala, a situação de rejeição de matrículas que alguns jovens problemáticos, que nós designamos de em trajetória para a exclusão e abandono escolar definitivo, enfrentam em diferentes escolas da cidade do Porto nas quais pretendem manter um elo de ligação à Escola. A análise é crua como convém: uma coisa é em abstrato defender a escola pública pelo seu papel na defesa da justiça e da equidade social, outra coisa bem diferente é promover esses valores em condições concretas de públicos que exigem uma abordagem que a Escola tradicional não é hoje capaz de realizar. A denúncia de Joaquim Azevedo interpela o sistema e a tutela política do Ministério, pois em seu entender a situação é conhecida, mas olhada com a indiferença conveniente a quem não está disposto a organizar-se em parcerias sociais mais alargadas para combater o problema. De facto, como o autor o assinala e bem, a Escola de hoje, perante a emergência declarada desse problema, está perante um conflito: por um lado, pode aspirar a minimizar o seu papel de reprodutor de desigualdades que entram pelas suas portas (estou em crer que em muitos casos se pede demais à Escola, não reconhecendo que a comunidade educativa é mais lata); mas, por outro, está perante a possibilidade de ser ela própria indutora de novas desigualdades. Na verdade, se a Escola Pública alinhar numa política de seguidismo mimético do que o ensino privado realiza sem qualquer problema de consciência, toda a argumentação de defesa dessa Escola Pública cai por terra. O que o Joaquim Azevedo parece defender é que entre o público e o privado existirá um universo interinstitucional de parceria e concertação de objetivos que pode contratualizar com o Estado a inclusão desses públicos e que ajude inclusivamente a própria Escola Pública a não abdicar dos princípios e valores pelos quais vale a pena continuar a trabalhar pela sua concretização. Mais um tema em que a inovação social pode ajudar a construir soluções para problemas novos. E o que sei é que o Portugal 2020 foi particularmente generoso em consagrar recursos para o combate ao abandono e insucesso escolares. Pouca gente sabe o que fazer nessa matéria e haverá sempre a tendência para o Ministério capturar o acesso a tais fundos, algo facilitado pela desorientação municipal nessa matéria.

Por isso, escutem o Joaquim. Ele sabe do que fala.

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