sábado, 3 de setembro de 2016

MAS FOI MESMO UMA SILLY SEASON?




(Simplesmente à boleia de um dos temas da rentrée do Quadratura do Círculo, embora com posições divergentes nessa matéria)

O Quadratura do Círculo regressou ao trabalho, em torno ainda morno, aliás como acabou antes de férias. Não havendo temas que fraturem a conversa entre Pacheco Pereira e Lobo Xavier, a sensaboria instala-se pois Jorge Coelho raramente se aventura em alguma coisa que mereça 50 minutos de sofá em alternativa a uma passeata higiénica. Jorge Coelho está transformado em bom pai de família do debate televisivo e sabe-se lá porquê os dois restantes intervenientes parecem conviver bem com essa companhia.

O tema da silly season foi uma das questões afloradas no debate. Pacheco Pereira a esse propósito focou-se na invasão da privacidade que o fisco tem vindo a construir e Lobo Xavier zurziu na maneira desequilibrada como a comunicação social tratou o tema da Caixa Geral de Depósitos que praticamente todos consideraram uma vitória do governo de António Costa.

Por silly season entendo eu um período em que, talvez provocadas pelo excesso de calor sobre as meninges dos políticos, estes intensificam a produção de dislates, trapalhadas e irremediáveis faltas de bom senso. Ora, por mais que a canícula tenha apertado, nada se passou de relevante que traduza uma mudança considerável de tom face ao que estamos habituados. Senão vejamos.

Vejamos o tema das viagens de secretários de Estado às custas da GALP para o “trabalho político” de cavalgar por terras de França as proezas da seleção nacional. Que o futebol já há muito funciona como barómetro da situação global de amortecimento dos problemas do país, projetando uma imagem de nós próprios que continua a ser distorcida, acho que ninguém o pode deixar de reconhecer. E as relações entre exercício de funções públicas e as benesses ou proximidade do setor privado estão tão encrustadas na classe política mobilizável para a governação que muitos candidatos a essa mobilização acharão perfeitamente normal uma viagem, um almoço ou jantar ou outra benesse circunstancial. Já não falo no cálculo intertemporal dos que passam pela governação a pensar sobretudo (no serviço público? o quê?) na relação futura com o setor privado que um dia lhes cairá no sapatinho. A resposta do PS também é conhecida: legisle-se para evitar estes contrapontos. Por isso, nada de novo de tão silly nesta estação da canícula.

Vejamos agora o tema da CGD. Curiosa a análise de Lobo Xavier quando refere a incapacidade do Governo capitalizar a vitória que constituiu a decisão concretizada no meio de tanta incompetência circunstancial, sobretudo à cabeça com aquela invenção de Mourinho Félix que depois de participar numa solução de composição de administradores para a Caixa incompatível com legislação nacional se apressou a querer conceber nova legislação para conformar decisão já produzida. Bom, um tanto silly, mas o secretário de Estado já há muito mostrou não ser o complemento que Centeno tanto precisaria para se aguentar. Sim, face ao desplante de uma Maria Luís Albuquerque que é capaz de manter o mesmo fácies de sempre quando recicla a história da sua própria incompetência, a CGD é uma grande vitória do Governo. Mas gostaria de estar mais convencido disso, pois permaneço inseguro quanto ao que o Governo quer fazer da Caixa, ou mais rigorosamente, o que é a que nova administração tem para propor e fazer que contribua para o relançamento da economia portuguesa.

Bom, depois temos aquela joia da retórica política de Passos Coelho na sua intervenção na rentrée da Quarteira. Cada qual escolhe os lugares da sua rentrée e o PDS lá sabe por que razão a Quarteira. Mas aquele improviso tosco de Passos nesse evento não é silly season, é o que nos tem para oferecer. O homem não estudou para mais e não conseguiu ainda explicar aos portugueses o que mudaria efetivamente com a sua (cruzes credo) governação.

Finalmente, temos a denúncia de Pacheco Pereira quando aos riscos da liberdade individual perante o big brother fiscal. Sim, os portugueses prezam pouco a liberdade individual, acomodaram-se com as restrições da mesma. E o fisco transformou-se numa máquina de punção fiscal perante a evidência de que a massa principal de cobrança de impostos vem de um conjunto relativamente reduzido de contribuintes, alguns dos quais os sucessivos governos têm receio de incomodar, o que é sobretudo válido no universo empresarial do IRC. Mas não associemos essa deriva à estação política da canícula e das férias, mas antes a um tema que deveria estar no centro da revisão do pensamento social-democrata.

Sem comentários:

Enviar um comentário