segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

AS AMEAÇAS SOBRE O EMPREGO

(Este gráfico de autoria de Autor, Dorn e Hanson (2013), "The China Syndrome: Local Labor Market Effects
of Import Competition in the United States" é talvez dos gráficos mais discutidos nos EUA: no eixo do lado esquerdo, mede-se a penetração das importações chinesas nas importações americanas e no eixo do lado direito a evolução do peso da população empregada na indústria transformadora)




Parece ser evidente que a social-democracia e a esquerda em geral não prestaram a devida atenção à representação dos interesses de quem perdeu o emprego e busca desesperadamente uma alternativa. Essa falta de atenção ou de sensibilidade foi preenchida por outras representações políticas, designadamente da direita, veja-se por exemplo a penetração de Marine Le Pen em zonas industriais do norte de França (Calais, por exemplo) e a vitória de Trump em estados americanos com forte recuo do emprego na indústria transformadora.

A destruição de emprego na indústria transformadora não tem uma explicação acessível e unificada.

Uma das origens dessa destruição prende-se com fenómenos conjunturais em que a procura de alguns produtos cai bruscamente por efeitos da crise económica. É talvez a modalidade menos lesiva do emprego do ponto de vista da sua sustentação em períodos longos. Se se tratar de ramos de atividade não fortemente atingidos por quebras tendenciais de procura, a recuperação económica tende a repor os níveis de emprego, embora não trazendo necessariamente para o emprego aqueles que o perderam na sequência desse choque conjuntural.

Porém, não é esta a modalidade mais relevante de destruição de emprego na indústria transformadora. O populismo de direita e, sejamos rigorosos, também algum populismo de esquerda, tendem a considerar frequentemente que essa destruição se explica pelas incidências da globalização, leia-se a deslocalização da produção para territórios em que essa produção pode ser concretizada a custos mais baixos. Este debate esteve aceso nos EUA e há razões para defender que a abordagem de Trump ao problema, impedindo discriminatoriamente algumas dessas deslocalizações, ou pelo menos reduzindo a sua abrangência em termos de postos de trabalho, não constitui a solução mais positiva para o conjunto da sociedade. Em primeiro lugar, essa dinâmica contraditória de deslocalização e perdas de empregos acaba por resumir a história do comércio internacional, nas suas sucessivas ondas de chegada à exportação de produtos manufaturados de novos países, explorando a mutação industrial observada nos países mais avançados que vão explorando novas frentes de especialização. Para além disso, estudos desenvolvidos sobre a economia americana mostram que os efeitos da globalização na destruição de empregos manufatureiros é indissociável da evolução do progresso técnico e que esta última acaba por explicar uma percentagem mais significativa da destruição de emprego do que propriamente a deslocalização em contexto de globalização.

O tema da influência do progresso técnico na destruição de emprego é tema para vários posts e apresenta níveis de tecnicidade que transcendem a modéstia deste espaço de opinião.

Em primeiro lugar, não podemos ignorar que, regra geral, a inovação tecnológica não é neutral do ponto de vista da relação entre os fatores de produção, designadamente da intensidade relativa em trabalho dos processos produtivos em que o progresso tecnológico acontece. É, aliás, conhecida de todos a ideia de que o progresso técnico contemporâneo tem um enviesamento em termos de qualificações (skill bias). Isto é, tende a favorecer as qualificações mais elevadas, o que desde logo representa uma ameaça para o emprego de menor intensidade em qualificações. Uma grande parte do desemprego de longa duração que se encontra nos registos dos sistemas públicos de emprego deve-se a esse enviesamento. Há, como é óbvio, a ladainha da formação e da reciclagem das pessoas, mas tem limites como infelizmente muitos dos DLD sabem por experiência própria, sendo de uma violência inaudita obrigá-los a ouvir vezes sem conta essa ladainha.

Mas há uma ameaça transversal ao emprego que resulta da combinação entre aumentos de produtividade e comportamento da procura de produtos manufatureiros. Embora possa dizer-se que as economias avançadas vivem uma crise de produtividade, não é de declínio da mesma que se trata. É antes de um crescimento moderado que se quer destacar quando se fala de crise da produtividade. Ora, perante um aumento, mesmo que anémico, da produtividade, isso significa que o mesmo volume de produção pode ser obtido com recurso a menos trabalho, ignorando por agora o tema do skill bias. Nada acontecerá ao emprego se as condições de procura do setor ou do produto em questão forem de molde a justificar investimento que pretenda responder a aumentos de procura (global, isto é referenciada à economia mundial). Ora, se estivermos perante produtos com queda tendencial de procura, o que acontece para uma faixa significativa de produtos que não respondem a aumentos de rendimento das famílias, a destruição de emprego é inevitável e a reafetação do desemprego terá de ser procurada em setores de procura mais favorável. Não podemos ignorar que a melhoria das condições de pobreza e a emergência das classes médias nas economias emergentes constituem um reforço potencial de procura para muitos produtos que tinham a sua procura tendencialmente ameaçada nas economias avançadas.

Não é por acaso que, na grande maioria das economias avançadas, a começar pela economia dos EUA, a indústria transformadora apresenta um quota relativamente estável em termos de produto, embora veja a sua quota de emprego diminuir expressivamente. Aliás, como o assinala David Dollar no Brookings, a queda da quota de emprego na indústria transformadora é tão visível em economias externamente deficitárias, como os EUA, como em economias com excedentes comerciais externos como a Alemanha.

Resumindo, não há razões plausíveis para que o progresso técnico seja hostilizado. Aliás, se o fosse, isso destruiria expectativas de emprego a quem realiza investimentos pessoais e familiares avultados em termos de formação e capital humano e uma grande parte dos jovens mais qualificados veria defraudadas as suas aspirações. Mas o progresso técnico não é neutro em termos de emprego. É com essa contradição que o capitalismo tem vivido. O que parece preocupante é que o investimento privado parece não revelar intenções e energia suficientes para compensar por via da procura o facto de ser possível produzir o mesmo com menos trabalho.

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