sexta-feira, 7 de julho de 2017

COMO AVALIA A OPINIÃO PÚBLICA A AÇÃO GOVERNATIVA?





Tenho para mim que o Quadratura do Círculo vive um momento de quebra de qualidade de reflexão, largamente determinada pelo desencontro entre o que o pivot Carlos Andrade que modera o programa considera tema passível de comentário e a agenda de reflexão de Pacheco Pereira e de António Lobo Xavier, já que a agenda de Jorge Coelho vá alguém compreendê-la.

O programa vai assim vivendo de alguma criatividade de Pacheco Pereira e Lobo Xavier, sobretudo quando conseguem fugir ao enredo de discussão proposto pelo moderador e conseguem introduzir alguma ponta de polémica.

Ontem, foi António Lobo Xavier que trouxe um tema “fora da caixa” do programa, quando o fino comentador lançou para o debate, já na parte final do programa, a questão dos domínios ou vetores pelos quais a opinião pública e o eleitorado captável nos painéis de sondagem regra geral publicados. Lobo Xavier defendeu a tese curiosa de que o eleitorado avalia sobretudo a ação governativa do ponto de vista dos seus efeitos sobre a situação económica do país e, obviamente, sobre a situação económica material e de condições de vida em geral. O debate do programa estava então focado no desconchavo de coordenação que os casos dos incêndios e do roubo do material de guerra vieram revelar, com potenciais reflexos na perceção que os cidadãos realizam das condições de segurança que o Estado e o Governo por ele responsável objetivamente oferecem à sua população.

Com alguma contradição entre o que Lobo Xavier havia referido no programa da semana anterior, em que dissertou sobre a perceção de insegurança que a descoordenação da abordagem aos incêndios do fatídico fim de semana teria provocado, ontem veio sugerir que provavelmente o impacto dos dois desconchavos sobre a evolução das sondagens quanto à ação governativa seria nulo. Parece-me que os dois temas, incêndios e roubo de material de guerra, embora traduzam ambos situações de colapso de coordenação política e operacional, não são homogéneos do ponto de vista da perceção das condições de segurança. Os incêndios são de facto um tema à parte e muito dificilmente a valoração da ação governativa não será afetada, por mais rápida, efetiva e coordenada que venha a ser a ação de recuperação das zonas sinistradas. Já o caso das Forças Armadas e o estado deplorável das condições de vigilância dos depósitos de material de guerra correspondem a uma realidade que interessa pouco os Portugueses. No plano das escolhas públicas, a desvalorização dos processos eleitorais quanto à situação das Forças Armadas Portuguesas é evidente e progressiva e a grande maioria dos governos adaptou-se oportunisticamente a essa desvalorização, nada fazendo para a contrariar e colocá-la na agenda das preocupações dos Portugueses quanto ao seu futuro. A transição de umas Forças Armadas que fizeram a guerra colonial com a mobilização do serviço militar obrigatório para umas Forças Armadas profissionalizadas tem sido penosa, apesar do êxito das missões internacionais que os governos portugueses têm aceite desempenhar, apesar da parcimónia dos recursos disponíveis.

Mas o tema suscitado por Lobo Xavier é de grande importância para a “accountability” da ação governativa e, consequentemente, da ação política desenvolvida para assumir o poder e a responsabilidade de governação. A tese de que os efeitos da ação governativa sobre a situação económica constituem o foco central da opinião pública com reflexos eleitorais é, a ser efetiva, perigosa. São óbvios os riscos de afunilamento da “accountability” com peso eleitoral e conduzirá, via a influência dos técnicos de comunicação, a significativos enviesamentos dos programas de governo. O risco maior é a limitação das escolhas públicas. A ação governativa deveria ser avaliada pela paleta dos seus domínios de intervenção. Se os principais partidos políticos alinharem com esta deriva teremos certamente uma séria degradação da ação política e governativa, para além dos outros fatores (falta de ligação às profissões, papel reprodutor das juventudes partidárias, captura de interesses, etc.) que continuam a pressionar no sentido descendente da qualidade.

Um tema final

Deixei escapar no tempo oportuno este tema mas a sua importância de esclarecimento cívico é tão forte que, mesmo com algum atraso, devo trazê-lo a este espaço.

Foi um êxito solidário o montante recolhido no grande espetáculo do Meo Arena para apoio às vítimas de Pedrogão Grande. Tenho a melhor impressão da ação de Manuel Lemos à frente da Direção da União de Misericórdias e reconheço o papel das mesmas, ou pelo menos de algumas, na ação social supletiva, senão mesmo central em certos territórios, face ao Estado Central e ao Poder Municipal. Por isso, não me move qualquer preconceito ou suspeição. Mas como cidadão que gosto de ser informado gostaria de ver explicada a decisão (tomada por quem e com que suporte) de atribuir o referido montante solidário à ação exclusiva das Misericórdias. A economia social é algo de bem mais vasto do que a ação meritória das Misericórdias. Sei-o por razões profissionais e de estudo correlacionado.

Mas não deveria ser devidamente explicada a decisão?

Creio que sim e uma vez mais a ausência de uma instituição com poder de representação e de coordenação de toda a economia social constitui uma limitação a ter em conta.

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