quinta-feira, 6 de julho de 2017

PARA QUÊ FALAR EM ESTAGNAÇÃO SE ESTAMOS A CRESCER?





Este tema tem sido algo recorrente no modo como tenho alimentado este blogue. Tenho a intuição que ele divide profundamente os economistas. Mas tenho também a intuição que ele tem um grande alcance. Na verdade, uma coisa é combinar política monetária e política fiscal para consolidar uma recuperação estimulando a economia, outra coisa é fazê-lo tendo em conta que para além da dimensão conjuntural, poderemos estar perante fenómenos latentes de estagnação, sendo por isso necessário que esse “policy mix” estimule simultaneamente a economia e combate os fenómenos estruturais que puxam para a estagnação. Penso que já nem dá atenção ao “blá-blá” das reformas estruturais tais como alguns papagaios institucionais o cantam. O exemplo mais patético é o do Diretor Geral da OCDE, um homem simpático e até com alguma proximidade a Portugal, mas que continua a cantar o tema das reformas estruturais com a agulha do disco a comprometer a mensagem. No tempo presente, as reformas estruturais devem ser apontadas aos fatores da estagnação secular potencial e devem ser entendidos como as condições que é necessário impulsionar para que o policy mix de política monetária e de política fiscal possa ir mais longe do simplesmente estimular a economia. Aliás, com risco sério de ser desarmados precocemente, precisamente pelo motivo de não compreenderem que um período de crescimento económico não faz esquecer necessariamente fatores potenciais de estagnação secular. A dimensão do tempo em economia tem que se lhe diga e não está ao alcance de qualquer um.

Até agora, este blogue tem contribuído para trazer ao pensamento económico em Portugal vozes como as de Lawrence Summers e Bradford DeLong, pioneiros e consistentes como têm separado corretamente as águas. Falar de fatores potenciais de estagnação secular é perfeitamente compatível com o período de crescimento que, por exemplo, a economia americana atravessa. Do mesmo modo, tenho trazido à colação a investigação que recentemente mais se tem distinguido na identificação dos fatores que explicam a persistência já estrutural dos baixos valores da taxa de juro real de equilíbrio, a chamada R*. Trata-se de investigação relevante que acrescenta densidade aos que perscrutam para além da recuperação em curso nas economias avançadas.

Apraz-me registar a chegada ao grupo de um economista membro do Federal Reserve Bank de S. Francisco e do próprio FED USA, que não pode ser considerado um keynesiano convicto, mas que vem se juntando aos economistas que trabalham em torno do rebaixamento estrutural da taxa de juro real de equilíbrio das economias avançadas, John C. Williams.

O artigo que acaba de publicar na Economic Letter do FRBSF de 3 de julho (bem fresca, por conseguinte) intitula-se provocatoriamente: “The Global Growth Slump: Causes and Consequences” (link aqui).  Williams não se inibe, apesar da conjuntura, de falar de recessão global do crescimento, o que se ajusta que nem uma luva ao título da crónica de hoje. A posição de Williams não é propriamente inovadora, outros o precederam nesse aspeto, mas é corajosa. O declínio demográfico, os constrangimentos ao crescimento da força de trabalho e a desaceleração do crescimento da produtividade do trabalho que o economista invoca são conhecidos e partilham o universo de fatores para uma teoria global da estagnação secular. A indeterminação do momento não está no desconhecimento desses fatores. Podem ter sido ignorados durante algum tempo, mas agora isso já seria incompetência aberta. Wiliiams sustenta que a indeterminação está no modo como os políticos mundiais reagirão a estes fatores com políticas económicas apropriadas.

Citemos:

“A grande dicotomia do nosso tempo é que, país a país, as notícias económicas são ao mesmo tempo encorajadoras e desencorajadoras: encorajadoras na medida em que as economias estão em expansão, desencorajadoras porque o crescimento é desapontador, pelo menos quando confrontado com os padrões históricos. Nos EUA, esta dicotomia é profunda. O crescimento do PIB americano teve pouco significado enquanto os registos do crescimento do emprego foram significativos. Nos 8 anos posteriores ao fim da recessão, o crescimento do produto em termos reais foi em média apenas de 2%, bem abaixo dos trends anteriores, ao passo que a economia americana criou 15 milhões de empregos. Como é que estes dois dados são compatíveis?”

A oferta e procura de fundos para o investimento estão a rebaixar significativamente o preço das poupanças. Por um lado, o significativo aumento da esperança de vida tende a aumentar a poupança. Por outro lado, o rebaixamento do investimento reduz a procura de poupança.

Argumentos simples que podem ser substancialmente reforçados pela convicção mais keynesiana de que “demand matters” (a procura é importante). E aí temos uma convergência com significado entre economistas que pensam mais do lado da oferta e os que não abandonam a relevância da procura.

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